Advogado especialista em imigrações fala de vários casos e diz mesmo que há queixosos que são ameaçados quando avançam com o processo.
Quando falamos de casos de abusos das autoridades sobre imigrantes é muito difícil dar-lhes rostos. Ihor Homeniuk – ucraniano morto por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 2020 – foi, de forma involuntária, um caso de exceção. Mas há pessoas que se escondem com medo ou que não dispõem de meios para avançarem judicialmente ou que simplesmente têm uma vida demasiado complicada para se concentrarem no assunto. Será o caso dos imigrantes torturados e humilhados por militares da GNR em Odemira, que não estão sozinhos.
Muitos desses casos chegam a Jaime Roriz, advogado especialista em questões de imigração e que afirma que todas as semanas lhe chegam às mãos casos destes. “Uma vez por semana tenho um imigrante a queixar-se das autoridades”, diz à CNN Portugal.
Esses cidadãos queixam-se de maus-tratos de formas variadas, que começam no desrespeito mas que muitas vezes redundam em agressões físicas. “Quase todos têm uma queixa ou outra das autoridades policiais. No mínimo um desrespeito, tratarem-nos mal.”
De acordo com o especialista, é muito difícil para uma pessoa nestas condições mover um processo contra “pessoas com essa força”, contra o Estado, e o motivo não é apenas o medo ou a questão financeira: “Mesmo que assim não fosse, essa pessoa tem uma vida periclitante, muitas vezes está a lutar pela próxima refeição. Fazer um processo desses é muito complicado”.
“Um imigrante não tem condições para fazer um processo desta natureza. Isto custa centenas de horas de trabalho e tem custos honorários”, explica, acrescentando que já se disponibilizou a trabalhar em regime pro bono mas que os denunciantes decidem não avançar na mesma.
Nos raros casos em que o processo segue em frente, há imigrantes que acabam por ser alvo de ameaças dos agentes envolvidos no processo. Isto é, as vítimas fazem queixa dos agressores e depois acabam ameaçadas para retirarem essa mesma queixa.
De resto, o próprio Jaime Roriz já sentiu isso na pele. Em mais de um caso, o jurista teve de requerer proteção por ser alvo de ameaças de elementos das forças de segurança que estavam implicados em processos do género. “Vai continuar a ser assim se a lei não for mudada. Há pessoas que têm o dever de cuidar dos outros e não o fazem.”
Estes são casos que, segundo Jaime Roriz, afetam toda a geografia portuguesa, tal como todas as nacionalidades. Recebe muitas queixas de imigrantes nepaleses, indianos ou paquistaneses, mas também de brasileiros e até de cidadãos europeus, como ingleses que “optam por diferentes formas de vida”, como os hippies.
Essa mesma diferença também é notória noutro ponto. Dos casos que Jaime Roriz levou a tribunal, a grande maioria era de pessoas brancas e com estabilidade financeira, que tinham capacidade e disponibilidade para moverem o processo.
Os imigrantes em causa “sentem-se cidadãos de segunda”, excluídos de uma sociedade em que são maltratados por quem os devia proteger, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) à GNR.
Uma situação que pode piorar
Amadou Diallo chegou a Portugal em 2006. Era António Costa o ministro da Administração Interna quando este Costa-marfinense, atualmente presidente da Associação de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal, chegou com o estatuto de refugiado. Entretanto, conseguiu um visto de residência, mas diz que os problemas se foram agravando para quem chega ao país.
Portugal, conta, acolhe vários refugiados chegados de Grécia, Itália ou Malta, mas depois falha em dar oportunidades a estas pessoas, que esperam um, dois ou até três anos para obterem um visto de residência.
Nesse período, ficam com a vida em suspenso, com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a renovar a licença de residência provisória, mas sem nunca ceder espaço para entrevistas de residência permanente.
“Se o Governo foi buscar as pessoas a Itália, Grécia ou Malta, deve dar oportunidade para as pessoas fazerem a sua vida”, diz Amadou Diallo, que se confessa nervoso com o que se está a passar.
Para Amadou Diallo, que também faz parte do Conselho para as Migrações – órgão do Alto Comissariado para as Migrações, que depende diretamente do Conselho de Ministros -, o Estado deve ter um papel no assunto, arriscando-se a que “algo pior” possa vir a acontecer.
Ainda esta semana decorreu uma reunião do Conselho para as Migrações mas o SEF, conta Amadou Diallo, voltou a faltar.
Todos os cidadãos que estejam em Portugal, residentes ou não, legais ou não, gozam dos mesmos direitos fundamentais, nomeadamente o direito à dignidade e o direito a apresentar queixa. Qualquer crime cometido contra estas pessoas, seja por forças de segurança, seja por qualquer outra pessoa, tem exatamente a mesma tipificação no Direito português.
Caso conheça algum caso de denúncia pode utilizar as diferentes plataformas:
Associação de Apoio à Vítima: telefone 21 358 79 00; email: apav.sede@apav.pt´
Associação de Apoio ao Imigrante: telefone 234 342 890 – 23 434 23 6; email: associacao@apoioimigrante.org
Associação de Imigrantes Mundo Feliz: telefone 214 103 917; email: geral@mundofeliz.pt
Pode ainda contactar a Linha de Apoio a Imigrantes, disponibilizada pelo Governo, através do seguintes números telefónicos: 808 257 257 ou 218 106 191.
Fonte: CNNPortugal.iol.pt