A expectativa dos imigrantes quando sonham alcançar um Paraíso na Europa, e a tragédia que muitas vezes encontram pelo caminho, atravessando o Mediterrâneo, estão no centro da exposição do artista Kiluanji Kia Henda, que é inaugurada terça-feira, em Lisboa.
“Something Happened on the Way to Heaven” (“Alguma coisa aconteceu a caminho do Céu”, em tradução livre) é o título desta exposição com curadoria de Luigi Fass, que é inaugurada às 17:00 e ficará patente até 10 de janeiro de 2021, no espaço das Galerias Municipais da Avenida da Índia.
Foi dessa expectativa de concretização de um sonho, e da tragédia, encerradas na imigração, que o artista angolano falou à Lusa durante uma visita realizada hoje, véspera da abertura da mostra, composta por fotografia, escultura e instalação, com peças criadas em 2019, quando Henda fez uma residência na Fundação Luma, em Arles, França, e no Museo d’Arte Provincia di Nuoro (MAN), na Sardenha.
“Explorei esta questão da expectativa, do que faz um imigrante sair de África ou do Médio Oriente em direção à Europa, um lugar visto como quase perfeito, onde espera encontrar a paz e o bem-estar, pelo qual coloca em risco a vida. Esse Paraíso, o tal Céu, não existe sem o conceito de Inferno. Um não vive sem o outro”, disse à Lusa o artista nascido em Luanda, em 1979, que em 2017 venceu o Frieze Artist Award da feira londrina.
Refletindo sobre estes sonhos, e as tragédias, Henda também questionou as ideias cristãs associadas a estes conceitos, a um certo imaginário religioso e valores como a bondade e a generosidade, com os quais alguns migrantes crescem nos seus países de origem, mas não vão encontrar no “desejado Paraíso”.
“No caminho até lá, alguma coisa acontece – ‘Something’ – e surgem os corpos afogados no Mediterrâneo que todos conhecemos, mas pouco conhecemos realmente dessas pessoas. O mar acaba por ser um ponto de fusão onde confluem todas estas narrativas”, comentou o artista, que na Sardenha encontrou uma “natureza paradisíaca”, mas também as “sombras da tragédia”.
Estas reflexões estão também ligadas à origem dos movimentso migratórios, disse, “habitualmente guerras, doenças, pobreza, corrupção e má governação que levam as pessoas a abandonar os seus países em busca de um lugar melhor, e que acontece há muitas gerações, não é de agora, e é um fenómeno global”.
Na Sardenha, criou a sua obra mais recente, de 2020, “O Manto de Apresentação (Segundo Arthur Bispo do Rosário)”, uma peça baseada na obra deste artista brasileiro (1909-1989), que teria sido criada para quando morresse e fosse para o Céu encontrar-se com Deus.
O manto de Kiluanji, que presta homenagem ao artista brasileiro e segue a mesma ideia, foi criado com lã de ovelhas negras, por artesãos da Sardenha, e recebeu ainda mais de mil missangas, “aplicadas por mulheres africanas, também imigrantes”, em Lisboa, encontrando-se suspenso no centro da galeria.
Outras obras inseridas na exposição são “Relicário de um sonho naufragado” (2019), uma instalação com uma coluna de sal, uma cabeça em bronze negro dentro de uma estrutura metálica, “Balada geográfica do medo” (2019), uma série de nove fotografias, e “Emigrantes a que nada lhes importa” (2019), um conjunto de postais vintage com flamingos em ambientes neutros.
Em colaboração com a Publitaxis & Publiroda e a CP – Comboios de Portugal a exposição “Something Happened on the Way to Heaven” ainda contará com oitenta cartazes aleatoriamente distribuídos em algumas das carruagens dos comboios regulares da Linha de Sintra, com imagens da obra “A Sina de Otelo/Othello’s Fate (Act I, II, III and IV) de 2013.
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